Povo Xavante

42min05

Povo Xavante. Ritual Wai'á. Terra indígena Pimentel Barbosa. Serra do Roncador. Canarana. Mato Grosso. 210 pessoas na aldeia

Povo Xavante

42:05

Povo Xavante. Ritual Wai'á. Terra indígena Pimentel Barbosa. Serra do Roncador. Canarana. Mato Grosso. 210 pessoas na aldeia

Álbum

Povo Xavante

Um lago de águas transparentes onde não se encontra um ser vivo. Uma rocha de cristal com cem metros de diâmetro. Um povo que se prepara para sonhar durante a noite e trazer esses sonhos para a realidade.Um som grave é desenho na paisagem da serra que é a mais desconhecida de toda América do Sul: a Serra do Roncador, uma cordilheira de oitocentos quilômetros que separa rios e define caminhos entre estados brasileiros.

“A Serra do Roncador é um lugar de integração entre realidades intraterrenas, físicas e suprafísicas”
Indigenista Alexandre Lemos

Chacra da Terra, portal de cura, passagem para o paraíso… A Serra do Roncador é cenário de várias histórias sobre fé, magia, mistério. Endereço da “gente de verdade”, tradução do nome originário do povo Xavante: atualmente cerca de treze mil indígenas que falam Akuen, idioma do tronco linguístico Macro-Jê, com organização social complexa e que tem a cultura muito viva, integrando biodiversidade e conhecimento tradicional ancestral.

Nessa região central do Cerrado brasileiro, existem duas estações bem definidas: a seca ou inverno de abril a outubro e a época das chuvas, ou verão, nos demais meses do ano. Os Xavantes se organizam em dois clãs e promovem casamentos em cruzamento entre eles. Com divisões de tarefa por gênero, as mulheres são as responsáveis pelo preparo de roças e coleta de frutos e os homens pela caça e pesca que é uma atividade com importante papel na ritualística desse povo.

No mundo Xavante, a mulher é natureza e o homem é cultura. Os homens são rígidos guardiões da Serra do Roncador e seus mistérios. Porque possuem o poder latente da vida e da gestação, as mulheres são proibidas em rituais onde pede-se disciplina e rigor: são os momentos de conexão com os ancestrais e os espíritos, de preparação dos jovens para uma vida de contato consciente com o mundo intraterreno, extraterrestre e espiritual.

“Há um limite entre o que se pode transmitir e o que se deve guardar no coração,
assim aprendi com os Xavantes guardiões das embocaduras da serra”
Alexandre Lemos

O Wai´á é o mais importante ritual masculino, uma série de cantos sonhados, cerimônias de respeito e interação com o mundo espiritual onde um pacto de diplomacia é renovado entre Xavantes e seus deuses. Na época da seca, de julho a agosto, os homens adultos se preparam para a realização da cerimônia com artefatos encontrados no Cerrado.

Os homens Xavantes, portais de comunicação com o invisível durante as cerimônias, ficam em jejum de comida, água e relação sexual. Precisam caminhar durante vários dias pelo sol quente, já que a resistência física e emocional é o que abre canais para as conexões espirituais e para o transe. O som dos pés na terra e os banhos de folha ajudam a sonhar melhor: o que é fundamental já que o sonho é o ambiente do sagrado.

“O Xavante sonha para trazer o seu desejo para a realidade”
Indigenista Alexandre Lemos

Na preparação dos jovens, que se finaliza na casa de reclusão, o principal objetivo é preparar e revelar curandeiros que terão o poder de curar doenças, picadas de animais, chuvas e raios. Indígenas mais velhos, com a função de guardas da cerimônia, observam os rituais vigiando a disciplina e performance dos mais novos. Em sonhos, descobrem a localização de objetos sagrados escondidos pelos espíritos em meio ao Cerrado.

A cada dez ou quinze anos, uma cerimônia mais longa acontece: o Wai´árini vem fortalecer e preparar os homens para os Wai´a anuais quando os curandeiros tocam o chocalho para apresentar as músicas sonhadas. O alimento aparece como agradecimento aos ensinamentos recebidos e é o momento de união entre todos.

Na Terra Indígena Pimentel Barbosa, o cacique José Tserenhomo - Sumené Xavante - reaquece os sonhos dos meninos em companhia dos anciãos Waraci, Bau, Manoel Morais e Tseredzu: é dos homens sábios como a sua irmã selva o papel de ensinar os jovens a acordar de olhos fechados. Juntos, no escuro que não temem mas sim apreciam, encontram curas e palavras e caminhos. Tudo que precisam, eles sabem, está no sensível que nem sempre se vê… no movimento do corpo que foi feito para cansar.

Noites de sonho, seguido suor na pele: receita Xavante para conectar o material com o sagrado. O transe vem com o Sol: sinal de que os sons que importam foram religados. A cantoria, então, pode cessar.


(O indigenista e produtor cultural Alexandre Lemos convive com o povo Xavante há mais de seis anos como indigenista e articulador de projetos de etnodesenvolvimento.)

Entrevistas

Betty Midlin

04min55

Entrevistas

Betty Midlin

04:55

Veja Mais