Congado Reinado de Nossa Senhora do Rosário

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Festa do Reinado de Nossa Senhora do Rosário e de Santa Efigênia. Afro Brasil. Congado. Chico Rei. Guarda de Ouro Preto. Ouro Preto, Minas Gerais. Desde o século XVIII. Segundo domingo de janeiro. 30 grupos de Congadas. 10.000 pessoas

Congado Reinado de Nossa Senhora do Rosário

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Festa do Reinado de Nossa Senhora do Rosário e de Santa Efigênia. Afro Brasil. Congado. Chico Rei. Guarda de Ouro Preto. Ouro Preto, Minas Gerais. Desde o século XVIII. Segundo domingo de janeiro. 30 grupos de Congadas. 10.000 pessoas

Álbum

Congado de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia

Segundo domingo de janeiro na Terra das Almas.

Um endereço de Brasil no meio de Minas Gerais que recebeu esse nome exatamente dos homens e mulheres negros que começam a chegar. Pelos cantos que ecoam, por suas roupas coloridas e bandeiras hasteadas, sentimos que eles trazem consigo histórias de outras terras para contar. Pela postura firme e pelo olhar profundo de dignidade, sabemos que eles são filhos de reis, trazem seus antigos pulsando em tambores. Aos poucos, entendemos: são reis e rainhas do Congo no Brasil, são Congados de Nossa Senhora do Rosário, São Benedito, Santa Efigênia.

Fitas coloridas, roupas brancas, bandeiras, reisados e procissões: os grupos se encontram, se apresentam, se festejam. A cidade se transforma em um tear de histórias trançadas diante dos olhos e ouvidos atentos. Sempre à frente nas andanças e os primeiros a se apresentar, o grupo da casa: a Guarda de Ouro Preto.

O Congado de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia, Guarda de Ouro Preto, é formado por descendentes de um Rei do Congo, um africano negro chamado Galanga que foi escravizado e no Brasil foi chamado pelo nome Francisco. Na então Vila Rica, atual cidade de Ouro Preto no estado de Minas Gerais, Galanga conseguiu autorização para explorar uma mina de ouro abandonada e, nos seus poucos intervalos de trabalho, extraiu o minério que usou para comprar a sua liberdade, a de seu filho e a de outras 300 pessoas de seu povo. Em uma igreja da vila, Francisco conheceu e se encantou pela imagem de uma santa negra: Santa Efigênia. E foi para ela que, em 1747, Galanga fez uma festa de agradecimento pela liberdade alcançada: o primeiro Congado da região, no qual ele foi coroado como Chico Rei, um rei do Congo no Brasil.

Essa história ora não aparece nos livros do Brasil, ora é citada como lenda mas, para as famílias congadeiras de Ouro Preto, Chico Rei é memória de uma realidade preservada a partir das falas e dos cantos de seu povo.

A festa do Reinado de Nossa Senhora do Rosário e de Santa Efigênia é uma das celebrações mais importantes de Congados no Brasil. A Guarda de Ouro Preto é anfitriã do festejo que recebe cerca de trinta outros Congados e um público de 10 mil pessoas a cada janeiro para celebrar Chico Rei.

“Trazemos a memória dos nossos ancestrais.

Nós somos da matriz de Chico Rei.”

Capitã Katia, Congado de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia

Nas festividades de congadas, que foram disseminadas a partir de Ouro Preto para outras regiões de Minas Gerais e do país, são celebradas várias outras histórias que têm os povos e culturas negras como protagonistas. Uma das principais narrativas celebradas nos Congados é a da aparição de uma imagem de Nossa Senhora do Rosário no mar, na época da escravidão: conta-se que a imagem apareceu no mar e os brancos tentaram tirá-la da água sem sucesso várias vezes, foi então que permitiram que negros tentassem e eles, com seus tambores, danças e simpatias, conquistaram a confiança de Nossa Senhora do Rosário que veio para a praia.

“Foi na beira do mar

Foi que nêgo chorou…

Ao ver Nossa Senhora

Saindo das águas

Coberta de flor.”

Trecho cantado pelo Congado de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia

Com a intenção de manter vivas as energias ancestrais e para agradecer aos santos de sua devoção, cada folguedo ou guarda de Congado prepara cortejos e performances que trazem uma reversão simbólica de situações de repressão vividas por africanos escravizados no Brasil. Para muito além da beleza, as festas de Congadas são procissões de fé de povos que, utilizando-se de uma estética da sobrevivência, afirmam entre si a possibilidade de uma estrutura social que tenha tambores no centro e homens e mulheres afro-brasileiros coroados como reis e rainhas.

“Essa canção

Sai dentro de sua alma

Em forma de oração

Para quebrar as correntes

Do racismo e da opressão.”

Trecho cantado pelo Congado de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia

Em 2015, a Guarda de Ouro Preto estava sob o comando de três capitães: Rodrigo, Francisco e Kátia (a primeira mulher à frente de um Reinado em Ouro Preto). Capitães são os congadeiros de um grupo responsáveis pela organização e sintonia de seu Reinado, mantendo tanto o zelo pelos saberes e crenças passados de pais para filhos, como cuidando de todos os detalhes da organização de um folguedo.

Em um Reinado do Congo, tudo é sobre fé e, portanto, tudo é sagrado: instrumentos, vestimentas, rituais, encenações. Além dos capitães, outros elementos importantes de uma Congada são o rosário (símbolo da devoção à Nossa Senhora), a corte formada por um rei e uma rainha, normalmente homens e mulheres negros admirados pela comunidade, e as bandeiras: estandartes de tecido ornamentados que muitas vezes trazem imagens de santos e abrem os caminhos para o início dos folguedos ou das festas em casas.  

Durante a festa do Reinado de Nossa Senhora do Rosário e de Santa Efigênia, os Congados - a começar pelo anfitriã Guarda de Ouro Preto - vivem alguns rituais como a procissão da Alvorada, o levantamento dos mastros das bandeiras, a confirmação das coroas, o cortejo com as bandeiras e a descida dos mastros. Nesse ano, as vozes se fizeram ainda mais potentes: os grupos puderam ecoar a sua louvação (cantos) em um espaço onde por muitos anos foram silenciados,: dentro da igreja.

Mas tão forte quanto o que vivem nesses dias é o que os Congados levam de volta para seus caminhos e casas após a festa. Nas canções e nas conversas, os congadeiros trocam conhecimentos sobre os antigos, escutam histórias e reafirmam suas crenças. Após entrar na igreja para fazer a sua louvação, soltar em voz firme as histórias cantadas que os representam… eles carregam consigo a reafirmação da fé, do encanto e da potência afro brasileiras. Com as bênçãos de Nossa Senhora do Rosário, fortalecidos em Chico Rei, seu semblante na hora de ir embora ensina: sim, é bonito resistir.

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