Vale do Amanhecer
14:59
Vale do Amanhecer. Sincretismo. Espiritismo. Planaltina. Brasília. DF. Tia Neiva
Vale do Amanhecer
Salve Deus!: surge de longe o letreiro em um morro em frente ao templo que anuncia coisa de outro mundo. Outros mundos, vários mundos reunidos através de pessoas tantas. Chegam em capas compridas e cruzes em suas costas, chapéus com tecidos esvoaçantes, mastros nas mãos. São afro-brasileiros, egípcios, astecas, incas, cristãos, indígenas de antes, espíritos do tempo antes do tempo.
Misticismo é talvez a palavra mais usada para tentar descrever o cenário e a experiência. Mas a Doutrina do Amanhecer pode mesmo ser situada como uma fé cristã e sincrética que tem seus fundamentos no Evangelho de Jesus Cristo. Sua fundadora, a clarividente Neiva Zelaya, era uma mulher católica e solteira com quatro filhos que trabalhava como caminhoneira para sustentar a família. Em 1958, começou a incorporar entidades sem compreender o que estava acontecendo e, após muito sofrimento e angústia, criou a comunidade dez anos depois com a principal missão de dar assistência espiritual às pessoas que a procuram.
“Estamos trabalhando em prol
do equilíbrio do homem
para que ele aceite as coisas como são:
isso é fé”
Raul Zelaya
Colocar Jesus no coração das pessoas: é por isso que a Doutrina do Amanhecer existe e acolhe a todos - sem distinção! - que tem desafios mediúnicos. Para quem se sente à vontade, é inclusive possível a permanência como um morador do local, colaborando para algumas das tantas atividades. São mais de mil médiuns e vários rituais de cura e desenvolvimento mediúnico no templo principal e na Estrela (dez mil metros quadrados, um lago, uma pirâmide e várias esculturas): tudo isso em Planaltina, a quarenta quilômetros da capital Brasília.
Se um tom surreal e fantasioso paira no ar pra quem visita as cerimônias em uma primeira vez, as repetidas camadas de símbolos deixam claro que nada ali é aleatório. São sobreposições de significados para harmonizar espaços-tempos: cor, cruz, triângulo, estrela, sol, lua, jaguar… uma constelação alinhada de histórias.
“A fé que nega a ciência é tão inútil
quanto a ciência que nega a fé”
Raul Zelaya
E Tia Neiva não previa tudo isso quando fundou a doutrina, os ritos e símbolos foram aparecendo junto com as pessoas, suas histórias e dúvidas. Hoje é Raul Zelaya, seu filho, quem cuida com esmero de cada detalhe. As cores são energias: verde das matas, amarelo do conhecimento, lilás da cura, o branco da paz. O marrom é de São Francisco de Assis, uma das reencarnações do Pai Seta Branca que é a entidade que dirige a doutrina: apareceu como indígena para Tia Neiva, um homem puro que usava a força como um último recurso para a resolução de seus problemas. Os iniciados se vestem de branco, os intermediários… de camisa preta, os veteranos colocam uma capa colorida.
“O nosso uniforme é pra igualar as pessoas:
o carroceiro e o doutor
ficam no mesmo nível
e são mestres da mesma forma”
Raul Zelaya
O símbolo do sol Inca, o Jaguar, é representado pelo desenho de um imponente leão com juba colorida. A cruz, o símbolo do cristianismo. O triângulo lembra que aquele é um lugar de médiuns de incorporação: gente que recebe outras gentes e faz do seu corpo passagem para o que é preciso ser dito. Na estrela de seis pontas, a ponta mais alta lembra a possibilidade de evolução para o paraíso. O sol e a lua: forças opostas da natureza que, como todo o demais, precisam estar em harmonia.
Todos os elementos e desenhos que o mundo racional utiliza para explicar uma conexão com o mistério… ali reunidos como em um bordado redundante e minucioso a lembrar dos tantos sinais de que há mais história no silêncio do que podemos compreender. Juntos, bruxos e pajés e missionários… homens tão iguais e tão diferentes em sua encantarias... permitem-se trocar segredos de uma vida que é um constante acender-apagar de tempos.
Outtakes
Templo da Boa Vontade
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