Ano Novo

Meia-noite do último dia do ano, um tempo de fogos de artifício brilharem no céu das praias do Rio de Janeiro. Cartão postal do Brasil, imagem que de cima mostra uma multidão de gente vestida de uma mesma cor a adentrar o mar, pintura em pixel que invade as telas de todo o mundo.

Com os pés na areia o que se vê é menor do que aquilo que se sente. Muitos corpos juntos a procurar espaço em direção às ondas: sete devem ser puladas assim que o novo ciclo marcado pelo calendário se inicia. Herança africana, o ritual serve para invocar a força de Iemanjá para o percurso. O número de ondas também tem explicação:  sete são os dias da semana, sete são os chakras do corpo, sete são os mares  e sete é o número de Exu, filho da rainha das águas e  dono dos caminhos. É de frente que se deixa a bainha do mar, para que não se atrapalhe nas finanças. Há quem jura que funciona e aqueles que não acreditam,  mas não custa pular.

Cantos, choros, câmeras de celulares fazendo instantâneas transmissões dessa que é celebração fundamental na vida de tantos brasileiros. Comer uvas para dar sorte, abraçar a quem se ama, telefonar para a família. Roupa branca pela paz, flores de presentes ao oceano para atrair prosperidade.

“Botei meu barco n´água
Pra eu poder navegar
Eu peço licença primeiro
À minha mãe, Iemanjá.”

Canção durante oferenda a Iemanjá no Ano Novo

Um olhar atento indagaria: que fio humano entrelaça as semelhanças de tantos feitos rituais? A que se destina lançar flores e desejos e agradecimentos às águas salgadas dessa cidade e aos mais de sete mil quilômetros de costas desse país?

Dizem que foram os fiéis de Umbanda os primeiros a ocupar as areias do Rio com suas longas saias e contas em colares. Em pequenas embarcações perfumadas e com velas acesas, suas obrigações a Iemanjá.

“Ô, Iemanjá,
Ô, Iemanjá,
Ô, Iemanjá
Quem manda nas águas é
Ô, Iemanjá”

Canção durante oferenda a Iemanjá  no Ano Novo

Jeito de zelar por um novo ano com Axé: torcida e afirmação de tudo que é belo e sagrado, boas energias lançadas ao universo para alimentar os sonhos. Práticas que transbordaram várias rodas e culturas e povos.

Tomando as cabeças e os corpos, a mãe de todos os Orixás - a Rainha do Mar - mostra que presente e presença são a mesma coisa quando há espiritualidade acesa. Agradece ao fechar os olhos e abrir os passos de seus filhos: pais e mães de Santo incorporam Iemanjá e Iansã e Nanã e todas as entidades tomam os corpos a dançar os dias que foram e os que virão.

Purificação em meio à multidão, a céu aberto, a poucas quadras da estação do metrô. Ritual histórico que só pede de entrada o respeito à convivência. Enquanto tantas fés e corpos dançarem juntos por bons votos na mesma faixa de areia, o Rio de Janeiro continuará resistindo em ser sua vocação e potência: um encontro de mares de gentes.