Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos
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Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos do Pelourinho. Missa sincrética. Catolicismo. Candomblé. Afro Brasil. Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Salvador. Bahia. Construída no século XVIII.
Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos do Pelourinho
Escravizados no Brasil, os negros africanos não tinham permissão para acreditar. A sua fé era controlada porque era considerada perigosa: ao se conectarem com as suas crenças de África, eram mais fortes e criativos do que interessava para o sistema de então; se queriam participar dos cultos de seus senhores, iriam conviver nos mesmos espaços dos brancos e isso era... impensável.
“Irá chegar um novo dia
Um novo céu
Uma nova terra
Um novo mar.”
Canção de louvação em missa sincrética
Mas era preciso sobreviver a tantas restrições: ensaios de inventividade eram colocados em prática todos os dias para imaginar mundos invisíveis onde seriam abraçados pela esperança. Lembranças do Cristianismo em Congo e Angola, principalmente, vieram da memória como repertório criativo para o cotidiano. Surgiram artistas do espontâneo: mulheres e homens catavam sementes - chamadas Lágrimas de Nossa Senhora! - no chão para costurar o seu próprio rosário e, uma a uma, repetir a ladainha que ouviam sair das igrejas.
Já no século XVII, tentavam se juntar às vozes para venerar essa Nossa Senhora, do Rosário. Na cidade de São Salvador da Bahia, os negros se reuniam para observar principalmente um altar no bairro da Sé. Naqueles anos, a necessidade de pertencer e crescer fez com que mulheres e homens africanos e afro brasileiros começassem a se organizar em grupos de resistência e cuidado: as confrarias e irmandades surgiram como arquiteturas humanas, lugares com paredes imaginárias de afeto onde podiam se encontrar.
Em 1685 a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário iniciou as suas atividade em Salvador com os encontros nos altares laterais das capelas e conventos: uma das irmandades negras mais antigas do Brasil. Semente a semente, seus homens juntaram forças e o dinheiro de suas vendas em tabuleiros pela cidade. Em 1704, tinham o valor necessário e a permissão dos representantes do Catolicismo da região para construir a sua própria igreja nas Portas do Carmo: em uma das saídas das ladeiras do Pelourinho, em direção ao convento de mesmo nome. Com poucos recursos, mas muita vontade, os irmãos precisavam doar seu tempo livre para trabalhar na obra da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. O templo só teve sua fachada finalizada muito tempo depois, em 1780.
“Na nova terra
Negro não vai ter corrente
E o nosso índio
Vai ser visto como gente.”
Canção de louvação em missa sincrética
Cada minuto de energia investida ainda reverbera. Muito mais que paredes impossíveis para abrigar a sua perseverança, os pretos devotos construíram uma ponte entre o Catolicismo e o Candomblé. A imagem da Mãe do Rosário é branca, mas negros são Benedito, Santa Ifigênia e boa parte dos rituais desse templo onde é celebrada uma possível identidade negra católica dentro do catolicismo romano. É sim do Vaticano, mas também é de África, é em Bahia.
Os olhos marejam ao ouvir atabaques e gonguês, os instrumentos do compasso do Maracatu de Pernambuco, fazendo fundo ao sermão de um padre, homem de Senhor Jesus Cristo. Os colares de búzios, contas atravessadas rente ao peito, parecem anunciar com altivez que a presença de Caboclos e Orixás é muito bem-vinda naquele pedaço de chão batido por pés que se livraram de muitas correntes. Coisa de quem sabe trocar, balaios são entregues como oferendas também ao Espírito Santo. O Axé vem em dança nos pés e nos corpos de suas mães vestidas de branco: pensavam construir sua igreja, mas esses irmãos de cor edificaram uma rota de convivência para a humanidade.