Flor do Lótus Iluminado

Em um coro com cada vez mais vozes, as perguntas que o mundo tenta silenciar dentro de cada um de nós: deixam de calar, deixam de assustar, deixam de pesar. Da natureza vem uma luz que, pelo contrário, faz com que as questões que tanto tememos passem a dar o brilho necessário para um novo caminho.

“O que é o nosso ser?

O que nós estamos buscando?”

Gabriela Lima Vieira, Flor do Lótus Iluminado Maria Marques

Nas cerimônias no Flor do Lótus Iluminado, a disciplina marca o ritmo dos hinários recebidos durante as primeiras mirações do Mestre Irineu: é fé afinada e alinhada em farda-uniforme com o brasão de sua linhagem e dos seus aprendizes. Se é um trabalho do Santo Daime, alguém irá repetir alguns de seus versos encantados.

“Sol lua estrela

A terra o vento e o mar

É a luz do firmamento

É só quem eu devo amar.

É só quem eu devo amar

Trago sempre na lembrança

É Deus que está no céu

Aonde está minha esperança.”

Verso do Hinário de autoria do Mestre Irineu

Raimundo Irineu Serra era descendente de africanos escravizados e já se destacava só por estar presente: ele tinha quase dois metros de altura e vinha do estado do Maranhão, Nordeste do Brasil. Foi mais um dos tantos homens brasileiros a chegar no estado do Acre para trabalhar nos seringais no período em que a extração de látex e produção de borracha eram das principais atividades econômicas do país.

Foi com seus amigos de seringais que ele conheceu a bebida sagrada da Ayahuasca: mariri, iagê, hoasca, daime. O cipó do espírito ou vinho da adivinhação é utilizado há milênios por povos ameríndios, principalmente os Incas ou a macro-etnia neo-incaica, em rituais de cura e de auto-conhecimento. O chá feito da raiz e da folha da planta é considerado um remédio xamânico e se expandiu pelo mundo principalmente pelas três linhagens religiosas mais importantes que surgiram ao redor da prática de sua ingestão: o Santo Daime fundado pelo Mestre Irineu, a União do Vegetal e a Barquinha.

“Eu vejo o Daime como uma grande fonte de cura para a humanidade.”

Gabriela Lima Vieira, Flor do Lotus Iluminado Maria Marques

O Santo Daime é uma doutrina que entrelaça a consagração da bebida sagrada, orações, cânticos que são chamados hinos: uma amálgama de crenças indígenas, africanas e europeias. O Daime, que recebe tanto influência do espiritismo de Allan Kardec como também dos povos originários das Américas, foi criado a partir das primeiras mirações do Mestre Irineu, o Juramidam: foi a Rainha da Floresta quem lhe apareceu para dizer que ele deveria compartilhar essa crença pelo mundo. Mas, primeiro, ele precisou provar que merecia tal função: foram dias de jejum no meio da mata, movidos somente a mandioca cozida sem sal.

Em 1930, o mestre fundou um centro comunitário para iniciar o Daime e, em 1945, ele ganhou um terreno onde criou a comunidade Alto Santo: um lugar e grupo para desenvolver o verdadeiro amor a si, à floresta e ao mundo. O principal legado da doutrina são os hinários: nas mirações, os mestres recebem mensagens que compartilham pelo mundo.

“Num mundo cheio de personagens e máscaras,

O Daime te mostra quem você é.”

 Gabriela Lima Vieira, Flor do Lótus Iluminado Maria Marques

Entre os principais aprendizes de Mestre Irineu, a mulher que hoje nomeia o Centro Eclético Flor do Lótus Iluminado Maria Marques. Maria herdou o sobrenome Damião do marido de quem se tornara viúva a cuidar de sete filhos: era uma mulher loira e de baixa estatura que conheceu o Juramidam em 1931 e logo embarcou em sua doutrina. Pessoa simples e que conseguiu sua independência vendendo quitutes nas feiras locais, era conhecida por ser guerreira: analfabeta e sem saber fazer contas, era humilde ao pedir aos clientes para dizer quanto deveria devolver-lhes de troco em cada compra.

“Espiritualidade é a maneira como você está com você mesmo

e como você reflete isso para o mundo.”

Sérgio Carvalho

Bondosa e trabalhadora, Maria Damião tem um hinário admirado por muitos daimistas. Após as suas mirações, ela decorava as letras e pedia às amigas para as escrever em seu caderno. Com a permissão de Irineu, ela cantarolava os conselhos nos rituais do Daime.

Maria Damião morreu jovem e foi Mestre Irineu quem acolheu seus sete filhos e tantos versos no Alto Santo. De lá, sua família se espalhou por Brasis adentro e suas mirações continuaram a afetar o olhar dos milhares de daimistas que, em canto, desenham pelo vibrar das músicas em seus corpos o mundo que essa mestra daimista conseguiu enxergar para todos nós.

“Você está aqui nesse mundo,

Mas existem outros mundos

Existem outras forças.”

Gabriela Lima Vieira, Flor do Lótus Iluminado Maria Marques