Antonio Pedro
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Ayahuasca. Curandeiro. Acre. Antonio Pedro
Álbum
Antonio Pedro
Até porque existem mestres que ainda não apareceram na televisão e seus ensinamentos não foram impressos em livros: suas palavras não se medem pelas gramáticas do certo e do errado, apenas sabem viver, apenas são. Gente cuja vida se explica pela lida e que dá aula de sobrevivência: dizem que estão nas periferias de mundo, talvez estejam é mais próximos de tudo que é verdadeiramente central.
“Por mais analfabeto que ele seja,
é preciso tomar conhecimento da pessoa
que mora na floresta"
Antonio Pedro
Antonio Pedro nasceu em meio à Floresta Amazônica, perto do município de Feijó: cidade chamada de terra do açaí, o fruto terroso e saboroso que faz o mundo degustar o Norte do Brasil. O lugar tem hoje pouco mais de trinta mil habitantes. Órfão de mãe desde o nascimento, como tantos outros meninos da região começou a trabalhar cedo e com dez anos de idade já estava nos seringais por onde ficou durante quarenta e dois anos.
“Deus dá o frio conforme a roupa"
Dito popular no Brasil, repetido por Antonio Pedro para explicar a sua história de vida
Era um tempo do Ciclo da Borracha no Brasil: extrair o látex da seringueira para fazer e vender borracha era um grande negócio. Muitos foram os homens e famílias que se deslocaram mata adentro em busca dessa oportunidade para ganhar a vida. Alguns deles eram da própria região, como Antonio Pedro, e viram os impactos negativos da atividade para o meio: devastação ambiental, aquecimento da temperatura, violência para com o povo local.
E foi nesse cotidiano de seringais que o homem simples chegou ainda mais perto de sua essência: aprendeu com os indígenas locais, “os primeiros brasileiros”, a andar pelo meio do mato e reconhecer os bichos e as plantas. Com um deles, de nome Pajé Inácio e que viveu por mais de cento e dez anos, aprendeu a função de cada uma das raízes e ervas e conheceu a Ayahuasca.
Do chá com a raiz e as folhas, que ele aprendeu a preparar em rituais profundos mas simples em sua casa e com a sua família, ele recebeu o mérito do versear. Já tocava instrumentos musicais quando criança, mas foi nas suas visões de trabalho em Ayahuasca que ele começou a receber letras dos espíritos da florestas: sua verdade foi sair a cantar as poesias dos seres amazônicos. Seu primeiro verso foi feito aos quatorze anos, mas entre as suas melodias e as que aprendeu com o pai - um outro homem de seringais - são dezenas de choros, mazurcas, valsas, danças, sambas e outros ritmos acreanos que fizeram Antonio Pedro ser reconhecido com um artista popular no Acre.
“São dois planetas,
Um da noite, outro do dia
No caminho da Santa Luz
De Jesus e de Maria"
Letra de Antonio Pedro
Em sua visão de mundo, tudo que tem valor é próximo e está em família. A floresta, como na cosmogonia de diversos povos ameríndios, é a grande mãe que tudo ensina e alimenta. Mais celebradas são as pessoas que vivem por perto e dividem os dias. Da Ciência da Floresta, sua principal lição foi compartilhar.
E falar sobre Antonio é também contar sobre Carmem Almeida: foram mais de cinquenta anos de casamento, onze filhos e uma parceria musical que só cresceu desde as primeiras apresentações na adolescência. Ela é quem dá volume aos versos do curandeiro com suas notas de origem indígena que se assemelham a atrasos e alongamentos propositais a cada frase musical.
“No meu pensamento, aquilo que é pra mim é pra todos"
Antonio Pedro
“O cipó é o cinema sagrado"
Antonio Pedro
A arte de Antonio Pedro era tão espontânea quanto os seus dias. Não entendia o porquê era preciso dar nomes diferentes para a fé, separar quem podia cantar de quem só devia ouvir. A sabedoria do curar apenas aconteceu em seus caminhos, ele só se percebeu passagem. Por meio dela, teceu e dividiu uma tela onde outro modo de vida é desenhado. Com trilha sonora, com amor em alto volume: ele insistia que não sabia nada mais. E, assim, deixando a cantoria encantada como herança, esse homem se juntou à floresta: foi. Ficaram Dona Carmem a alongar também seus ensinamentos, os onze raízes-filhos a lhe continuar. Em cada amigo que ao seu lado sentou, uma vontade de ampliar os sentidos do mundo.
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Antonio Pedro (outtake 1)
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Antonio Pedro (outtake 2)
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Instrumentos do Acre
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