Toque de Oxum 

A casa é de Oyá, Iansã mãe dos ventos. Mas o povo do terreiro está vestido de amarelo-ouro. Há abundância de água, doce. Caem pétalas das mãos ao chão: é fevereiro para ofertar flores para mamãe Oxum!

“Ora Yê Yé Ô!”

Saudação a Oxum

Ela é quem faz a cabeça de Pai Ivo: ele dirige a casa ao lado de Mãe Lourdes, que é de Yemanjá. O Babalorixá é filho de Mãe Biu, segunda Yalorixá desse Terreiro Santa Bárbara.

E para tocar a história dessa religião afro brasileira ativa em Olinda há setenta anos, é primeiro preciso pedir licença para Mãe Biu do Portão do Gelo. A mãe de Ivo, e de Santo, é figura inesquecível do Xambá: teve a resistência de segurar sua fé pela mão, mesmo com os portões do terreiro trancados pelo preconceito. Foi por sua força que a mulher negra e divorciada conseguiu manter uma Nação em um mapa desenhado pelos pés de quem anda por acreditar.

Povo Xambá ou Tchambá que veio dos limites da Nigéria com Camarões, moradores do vale do rio Benué em África. Uma Nação que se derramou nas águas de Maceió até 1920, até que o Babalorixá Artur Rosendo Pereira precisou fugir: levou Xambá para Recife. Das mãos desse guia, vieram Maria Oyá e Mãe Tila, mulheres que tiveram que controlar o volume de seus cantos em tempos de opressão. Com o início de um duro período político para o Brasil, em 1938 Maria Oyá se viu obrigada a fechar o terreiro.

Foi a pegada forte de Mãe Biu que reabriu essas portas e em seguida firmou o chão do seu povo em Olinda, na rua que hoje é Severina Paraíso da Silva: seu nome que nenhum outro mapa pode teimar em apagar.

Pensando na salvaguarda, seu filho Ivo planejou criar um Memorial pra esse que é o terceiro quilombo urbano do Brasil. Em 2002, ele conseguiu o feito com a organização de um acervo com 800 fotografias principalmente dos arquivos pessoais de sua mãe: festividades, imagens familiares, encontros de gente de Xambá. Em dias de festas e toques para os Orixás, quem passa pela casa pode rever algumas dessas imagens enquanto os tambores tocam.

É pra Exu, Ogum, Odé que é Oxossi. Nanã, Bêji: Cosme, Damião e Doúm. Obaluiaê que é Omolulu mais jovem. Ewá: orixá feminino da beleza, amarelo e rosa e roxo. Obá e Xangô. Oyá, Oxum, Iemanjá. Orixalá que é pai da maioria dos outros e vem de branco. Afrekête: orixá feminino com guias coloridas que é vodum de origem daomeana, incorporado pelos iorubanos. É algo Candomblé, mas tem o sotaque de quem é Xambá.

Nesses momentos de celebração, os instrumentos costumam sentir o toque das mãos do Grupo Bongar: desde 2001 os seis integrantes do Terreiro Xambá pesquisam e reverberam a musicalidade de sua Nação em rituais ou apresentações públicas.

“Esse Candomblé é a minha condução de vida”

Guitinho Bongar

É Ciranda, é Coco, é Candomblé, é Maracatu. É de Xambá. O que eles vivem na sua fé e aprenderam com seus mais velhos... transborda em melodias. Pelo pulso de Mãe Biu, aprenderam que uma Nação não se extingue: há que procurar uma arte para mantê-la vibrando em algum canto de mundo! Se ela guardava imagens nas gavetas, eles levam o seu som pra andar. Assim, um dia alguém mais há de reconhecer esse barulho de rio africano que costura o mundo e, dançando, irá se juntar a cuidar dessas águas.