Álbum

Festa do Divino na Casa Fanti Ashanti

Desde os 6 anos de idade, quando esse filho de Oxalá entrou em transe pela primeira vez, seu nome ressoa das matas para as cidades, de Áfricas para o Brasil, de São Luís do Maranhão para o mundo. Pai Euclides - o Talabyian - foi iniciado no Candomblé no Terreiro do Egito com 13 anos, já atendia a demandas e pedidos aos 17 e começou a erguer a Casa Fanti Ashanti em 1954. De Tambor de Mina e de Candomblé Jeje-Nagô, na casa desse descendente de negros africanos escravizados no Brasil, tudo passava por suas mãos que tanto renderam: foram dez livros, centenas de cabeças feitas, roupas e indumentárias costuradas, toques em seus tambores. Tudo isso para deixar marca e pegada: autodidata, queria que o caminho dos seus não fosse apagado pelo preconceito de tantos.

"Minha universidade é o tempo"

Pai Euclides no livro Pedra da Memória, da pesquisadora e musicista Renata Amaral

Nesse endereço no bairro do Cruzeiro do Anil que é janela - e horizonte - para a história, ele construiu foi mesmo um grande centro de Brasis ainda pouco reconhecidos: tanto que o lugar  foi celebrado com o título de Ponto Cultural no ano de 2006. Em seu calendário anual, aulas e práticas de Tambor de Mina e de Candomblé, mas também de Pajelança, Baião de Princesa, Samba Angola, Mocambo, Tambor de Crioula, Tambor de Taboca, Canjerê, Bancada, Bumba-meu-Boi, Festa do Divino.

"Eu não gosto da palavra tradição, eu gosto da palavra hábito.

Eu falo hábito para explicar as coisas dos mais antigos"

 Pai Euclides

Do toque de suas irmãs Dindinha, Zezé e Graça e de sua sobrinha Bartira e de tantas outras mulheres maranhenses de seu terreiro: a feitura de uma das mais importantes dessas celebrações. A Festa do Divino Espírito Santo parece ter sua origem em um banquete oferecido por uma criança, um menino imperador do mundo, para os presos de uma cadeia. Muito libertária, a festa foi banida de Portugal, mas se manteve no arquipélago dos Açores, numa versão mais próxima das doutrinas do Catolicismo. De lá pode ter vindo parar no território brasileiro: é agora uma das principais manifestações de fé católica no Brasilpaís.

Em meados do século XIX, o hábito já estava enraizado na cidade maranhense de Alcântara de onde transbordou pelo estado ocupando principalmente os salões dos terreiros. Quando a magia se faz beleza: um ritual pagão, adaptado pelo catolicismo europeu que no Nordeste do Brasil foi resistir pelos pulsos de pobres e em cerimônias dos negros. E nas mãos de mulheres: as Caixeiras do Divino são personagens fundamentais dessa festa. Elas tocam o seu instrumento chamado caixa, dançam e acompanham todos os detalhes e passos da festa: fazem procissões e homenagens ao Espírito Santo, cantam e celebram os imperadores meninos.

Nas celebrações ao Divino, a música é o grande elo entre o ritmo dos trabalhos e o exercício da espiritualidade. O tocar as caixas é ciência que se passa de geração a geração de mulher. E todo o ritual está em torno do império das crianças: vestidas de nobres por alguns dias, as suas famílias fazem um grande esforço para cumprir todas as obrigações de roupas, ornamentos e alimentos para as festas. Simples durante todo o ano, nessa época são famílias de reis que merecem honras e regalias. A cada ano, um casal novo de imperadores surge: acostumados a ser colaboração, a comunidade compartilha a oportunidade de outros ocuparem o lugar de destaque da tribuna.

Decorada como palácio e com a pomba do Espírito Santo em seu centro, a Fanti Ashanti se veste de tiras de tecidos por uma quinzena no mês de julho para a festa em cada uma de suas etapas: a abertura da tribuna, a busca e levantamento do mastro, as visitas dos impérios, as procissões pela cidade, o repasse das posses reais para reis do ano seguinte, o fechamento da tribuna, o Carimbó das Caixeiras.

"Eu vou dar a despedida

Com uma dor no coração

Me despeço do Divino

E de todo Maranhão"

 Cantos das Caixeiras do Divino do Maranhão

Em cada detalhe, a firmeza de Pai Euclides há de permanecer. Das cabeças que fez, a continuação do fundamento. Das mãos de seus nove filhos e tantas irmãs: o esmero de quem tem fé no cotidiano. Seu olhar foi registrado pela última vez contemplando Dindinha entoar uma cantiga naquele Divino de 2015: dias depois, a notícia de que seu coração se encantou. Mas suas sementes quentes andam o meio de mundo a escrever, na linha da arte, a sua ancestralidade. Agora, vive no rodopio de um caboclo que gira fazendo reconhecer o Talabyian, ele que bem soube construir paredes para manter o invisível sensível ao toque.

ritual

Casa Fanti Ashanti (part 1)

16min29

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Casa Fanti Ashanti (part 1)

16:29

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Casa Fanti Ashanti (part 2)

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Casa Fanti Ashanti (part 3)

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Casa Fanti Ashanti (part 4)

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Casa Fanti Ashanti (part 4)

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outtake

Festa do Divino no Terreiro das Portas Verdes

18min27

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